"Para ficar preso tem que cometer um ‘crimão’. Ou seja, precisa ser crime que a pena máxima seja superior a quatro anos, portanto, quem tentar estuprar, tentar matar, tentar roubar, esteja ciente que se for primário e de bons antecedentes não vai ser preso preventivamente."
FATO NOTÓRIO: A “PEC dos Recursos” trará celeridade processual ou, por outro lado, será uma ameaça ao devido processo legal?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: Eu precisaria me debruçar um pouco mais sobre o tema com o peso de uma declaração pública sempre traz. Em vez de responder diretamente, vou responder com uma preocupação que tenho: em 1992, o então ministro da Justiça Célio Borja convocou a primeira comissão para a reforma da legislação penal para a celeridade e o fim da impunidade, eu aplaudi, imaginando que viriam medidas neste sentido.
Não obstante, as últimas leis aprovadas fizeram exatamente o contrário. Trouxeram mais recursos ou mais formas de protelar a prestação jurisdicional. Definitivamente, se a impunidade não ficou mais fácil, veio pelo menos numa forma disfarçada que é uma quase pena, como se dá através dos acordos onde se rompem até com os dogmas da culpabilidade, possibilitando fazer de conta que quase se puna alguém que a gente não sabe se é culpado ou inocente.
FATO NOTÓRIO: A presidente Dilma Rousseff mandou à publicação a Lei 12.403/2011, que traz alterações em relação à prisão preventiva. Qual sua avaliação sobre as mudanças?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: Vai esvaziar bem as prisões, vai impedir novas prisões e vai produzir alguns crimes que pertencem as chamadas ‘cifras negras da criminalidade’. E quais são estas cifras negras? Aqueles que existem, mas não sabemos que ocorrem.
Quando o juiz deixar de prender alguém preventivamente, que até então ele prenderia, mas agora a lei impede, é muito possível que esta pessoa perigosa que legitimasse a prisão à luz da lei velha, venha colocar em risco a ordem pública e a instrução criminal. Cometerá crimes, portanto.
Mas, nós não conseguiremos fazer um juízo de conexão tão claro como nós gostaríamos. Que quando couber uma análise desta lei, provavelmente nós já teremos uma nova lei em pauta no futuro e ninguém terá se debruçado sobre o tema. E mostrar que esta lei poderá acarretar, inclusive, mais criminalidade.
É verdade: ela poderá esvaziar um pouco as prisões. Mas, eu pergunto: as pessoas que estão presas não mereceriam estar presas? Ou não estariam presas se tivessem cometidos esses mesmos crimes na França, nos EUA, na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, em países civilizados? Ou nós brasileiros estamos flexibilizando demais o direito do acusado a ponto dele não pagar por crimes graves?
Tentativa de estupro, tentativa de roubo, tentativa de homicídio. Proibir o juiz de decretar a prisão preventiva para mim é quase um crime. O juiz deveria ter o direito diante do caso concreto para poder decretar. É o juiz que sabe, naquele caso concreto, que aquelas pessoas colocam em risco a ordem pública ou a instrução criminal.
Mas o legislador de antemão já disse: ‘não pode’. Então eu não sei quem vai pagar esta conta no futuro. Mas que nós vamos ter no país do samba, samba jurídico, isso nós teremos.
FATO NOTÓRIO: Não é segredo que o sistema carcerário brasileiro está falido. Não é utopia demais ou excesso legislativo inserir no texto da lei a separação de presos provisórios de presos condenados?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: Eu não diria que o sistema é falido, eu diria que ele vive sob uma antiga concordata, numa ameaça de falência.
Quando os móveis dentro de uma casa não estão bem dispostos, estão bagunçados, a solução não é abrir a janela da casa e jogar os móveis fora. É buscar uma solução porque a casa precisa dos móveis. Como a sociedade precisa de escolas, de hospitais, infelizmente, a prisão é um mal necessário do qual não podemos abrir mão.
Existem situações que nem a família do réu não quer que ele fique solto. Não obstante hoje, do jeito que está, nem a família do réu pedindo, o juiz poderá prender. Se ele prender em determinadas situações, como diz o legislador, cometerá o juiz um crime.
FATO NOTÓRIO: O fato da vítima ter que representar o autor da violência doméstica não tira o aspecto teleológico da legislação?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: É um elemento dissuasório para que a vítima se acomode depois. Nós deveríamos facilitar o acesso da vítima à justiça e não criar óbice, obstáculos para a prestação jurisdicional. Senão ela sofre a violência duas vezes.
Uma, a violência em si que legitima a punição; outra, ter que mobilizar uma energia grande, que são os deslocamentos frequentes.
No futuro, imagino eu, não deverão ter tantos ônus às vítimas. Vítimas que tiverem computador em casa, meios de comunicação, poderão, sem grandes sacrifícios, de casa mesmo, pedir uma punição, uma justiça. É uma questão de futuro.
O Brasil em muitas coisas já caminha com os pés na Lua, mas em outras ainda está com a cabeça na época das cavernas. Não sei se na média anda bem.
FATO NOTÓRIO: Alguns tribunais têm aplicado a lei para casais homoafetivos. A decisão está acertada?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: Caberia aí mais uma reflexão, porque a definição da família, da condição de adoção, estão em ebulição no Brasil recente.
Eu não gosto, não sou do tipo de autor, que em cada edição muda a posição jurídica da edição anterior. Eu tenho uma tendência de manter uma certa coerência. Não é que seja imutável. É que quando eu dou as opiniões, eu gosto de que elas estejam suficientemente amadurecidas. Então, se deveria se editar nova lei ou se aplicar a própria Lei Maria da Penha, eu gostaria de refletir um pouco mais para dar mais do que um palpite. Dar uma opinião pouco mais qualificada que não viesse somente do argumento de autoridade, porque sou um doutrinador.
FATO NOTÓRIO: A Lei de Execuções Penais e as atuais regras de progressão de regime devem ser revistas?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: De saída, o legislador no passado recente, faz poucos anos, cometeu uma barbaridade. Ele suprimiu o exame criminológico para o réu que fosse colocado em livramento condicional ou fosse progredir de regime, o chamado elemento subjetivo, que era avaliado mediante perícia. Ele suprimiu isso.
Ora, só no argumento do elemento objetivo, observando o comportamento de um carcereiro na prisão é muito pouco. Precisaria passar por um balizamento técnico jus-psiquiátrico, para saber se ele tinha condições de fato para progredir de regime.
Se a Lei de Execuções Penais, que já era uma lei suíça demais para o Brasil, hoje ela ficou mais suíça do que a lei suíça. Que nem exame criminológico não se pede mais para o réu, atendendo somente a um requisito objetivo. Aí abre a porta do cárcere e solta o cidadão que não está nem ressocializado e nem pagou a pena na sua integralidade. E faça-se o nome do pai e seja o que Deus quiser.
FATO NOTÓRIO: A transação penal e a suspensão condicional do processo não acabam colaborando com a reincidência criminal e, consequentemente, com a criminalidade?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: Sim e não. Sim para aqueles que de fato reincidem; e não para aqueles para os quais a lei foi bem aplicada. A questão está na mão e no critério dos juízes.
O meu receio com os chamados acordos é que vamos ter que começar a colocar para os penalistas e para os processualistas penais nos concursos públicos e nos Exames da OAB, muito mais comércio.
Não, direito comercial. Habilidade de negociar, porque hoje a justiça não está mais vinculada a Têmis, a deusa da justiça, mas a Hermes, o deus do comércio.
Está terminando tudo em barganha. O que era antes na justiça trabalhista, está virando o direito penal. Se o promotor e o advogado forem bons barganhadores, como se pechincham os tapetes na Feira de Istambul, pode ser que se possa fazer uma boa justiça. Senão, quem for mais hábil no argumento comercial poderá levar vantagem, não necessariamente será a justiça.
FATO NOTÓRIO: Há três anos houve modificações no Código de Processo Penal, como, por exemplo, a extinção do direito a novo júri em caso de condenação superior a 20 anos. A decisão foi acertada?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: A questão do fim do protesto por novo júri na prática já existia. Como o juiz fazia? Em vez de dar 20 anos, dava 19 anos e seis meses, então eram poucos os protestos por novos júris que haviam. Foi um avanço isso, só que demos um passo para frente e uns cinco para trás.
Se criou um artigo único que não existe em legislação nenhuma do mundo, que é depois de processar o réu, depois de tributar a ele um crime, depois de acusá-lo, em vez de perguntar se ele é culpado ou se ele é culpado ou inocente, convida o jurado a absolvê-lo.
A pergunta que o novo legislador faz ‘o jurado absolve o réu?’ A pergunta é ao contrário: ‘ele é culpado?’ Ele é culpado ou inocente? Não, o jurado absolve. É um convite para a absolvição.
Depois, a mudança da réplica e da tréplica. Antes era meia hora para cada um; agora é uma hora para cada um. O legislador quis ser diferente. Antes eram duas horas para sustentar o libelo e duas horas para o advogado defender. Depois, a réplica de meia hora.
Conservou o mesmo tempo, mas o que foi feito? Passou uma navalha nas duas horas iniciais, ficou uma hora e meia, querendo ser diferente o legislador. Em vez de deixar a réplica com cara de réplica; não, deixou com cara de outra sustentação, que em vez de ser meia hora passou a ser uma hora, é um outro discurso. Então, o júri perdeu as características.
No processo comum, o legislador conseguiu fazer uma enormidade! Para mim, é de uma inteligência negativa colocar o interrogatório como último ato da instrução processual. Eu nunca vi isso para crime importante. É você deixar o réu assistir toda a prova que foi feita para ele e deixar ele com a munição de três versões: as versões “A”, “B” e “C” no bolso dele. Se as testemunhas falarem uma coisa, eu uso a “A”, a “B” ou a “C”.
Talento advocatício eu sempre aplaudi, mas eu nunca imaginei que o legislador fosse criar uma facilidade que vai acabar mal até para a advocacia criminal. Estão abrindo tanto as portas do cárcere, que daqui a pouco não vão mais pagar como merece um advogado criminal, pois ninguém vai ter mais medo da lei penal.
Está virando direito negocial, está virando punição de faz de conta: “pegou quatro anos, mas regime aberto”, “pegou dois anos, mas, é sursis”, “suspendeu-se o processo”.
Preso, preso mesmo, precisa cometer crime com vigor e para ficar preso, como eu brinco, tem que ter pistolão. Porque senão, o cara sai, não fica preso não. “Ah, doutor, mas eu conheço um caso...” Levemos para o Jornal Nacional ou para o Fantástico, que é quase fantástico.
Para ficar preso mesmo são, de regra, crimes que nós chamávamos de hediondos, que a vítima continua chamando. Mas, muita gente muito apegada, com medo das palavras, achava que a lei que era hedionda e não o crime. Veja você, como o jogo de palavras pode alterar coisas substancialmente diversas. Eu sempre imaginei que o crime fosse hediondo. A lei pode ser mal feita, hedionda não pode ser.
FATO NOTÓRIO: O STF tem decidido que os advogados devem permanecer presos em casa, caso não existam locais equiparados com “Salas do Estado-Maior”. Qual sua opinião sobre a questão?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: O legislador agora certamente se esquivou. Esta reforma que nós tivemos, que estabelece medidas cautelares alternativas à prisão, a grande discussão não foi feita: a extinção da prisão especial.
E não se extingiu por quê? Porque quem tem privilégio não quer perder. Eu confesso uma vez mais que eu tenho muita dúvida se um juiz, um promotor, um delegado, vamos lá, um advogado, poderia abrir mão da prisão especial. São pessoas que lidam com algo que é violento por natureza. E para você dizer: “ah tem privilégio”. É a natureza da função, você pode ensejar uma violação de um direito fundamental sem reparo depois. Isso não quer dizer que eu esteja fazendo, brandindo a arma do status quo que foi mantido.
Só estou dizendo que não pode ir no argumento popularesco que todas as funções sociais são iguais. Todos os seres humanos morrem igualmente, mas algumas funções expõem as pessoas a mais riscos. Não fosse isso, não haveria adicional de insalubridade no direito trabalhista, não fosse isso não haveria respeito para quem trabalha em minas, em situações adversas.
Então a natureza da nossa função nos expõem a determinadas condições, que pensa o legislador, deve trazer não uma regalia, mas uma garantia. Portanto, o advogado pertencendo à categoria dos operadores jurídicos, talvez esteja a merecer uma prisão especial até o trânsito em julgado da sentença. Eu não vejo distinção entre advogados, juízes, promotores e delegados.
A questão é deter nível superior, aí sim a discussão se alarga, porque aí as condições não são as mesmas. Se qualquer um detém curso de nível superior. É que como a lei agora: proíbe a preventiva a quem tenha criança de até seis anos de idade e seja importante para a criação desta criança. Eu, por exemplo, me julgo importante, se eu tivesse um problema, para a criação de qualquer criança do mundo, não só do Brasil, até seis anos de idade. Se a criança me conhecesse, em três tempos ela ia reputar que eu daria bons conselhos para ela, logo, eu seria importante.
Eu volto a insistir: para ficar preso tem que cometer um ‘crimão’. Não é qualquer crime, é um crime grande. Crime anão não cabe prisão preventiva. Ou seja, precisa ser crime que a pena máxima seja superior a quatro anos, portanto, quem tentar estuprar, tentar matar, tentar roubar, esteja ciente que se for primário e de bons antecedentes não vai ser preso preventivamente.
FATO NOTÓRIO: A tragédia da Escola Municipal Tasso da Silveira trouxe à tona a discussão sobre a tipificação do bullying e o desarmamento. O que o senhor pensa sobre estes dois temas?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: A tipificação do bullying precisam me explicar melhor isto, porque o bullying é praticado entre crianças. Eu não sei como vai tipificar crime para menor de 18 anos, mas se alguém me explicar eu vou até ficar sensível a isso.
Tem coisas que o brasileiro se supera na inteligência. Uma vez eu li um artigo que tratava do crime do clone. Ora, nunca inventaram um clone humano, mas estavam discutindo se um clone praticasse um crime quem responderia: o original ou o clone?
Tipificar o bullying, pela Constituição menor de 18 não pratica crime. Como que vai tipificar crime para menor de 18 anos? Eu não sei como. A não ser que haja bullying como o senador Requião falou: bullying de senador. A imprensa cometendo crime de bullying contra outro adulto, um senador. É a primeira vez que vejo isso, para minha surpresa. Se eu não tiver outra expressão para dizer, fico surpreso.
A questão de Realengo mostra primeiro que não existe segurança no país, isto é claro. É a maior constatação. Eu não sei se a forma de acabar com a insegurança é fazer lei mais frouxa, me parece que não. Não sei se quando a pessoa está morrendo envenenada, se der mais veneno para ela, morre mais rápido ou se salva. Me parece que não.
A falta de segurança está patente. Uma das causas da insegurança é a falta de punição, a impunidade. Está vindo mais impunidade pelas reformas legislativas. Isso eu critico não é como procurador de justiça, eu tenho um advogado fortíssimo dentro de mim, que não aceita injustiças.
O advogado bom é aquele que busca o lado correto. Nós não podemos jamais imaginar que o promotor é só o acusador e que o advogado criminalista só quer absolvição. Isto são deformações profissionais, o bom profissional ele é antes de tudo um cidadão. E quem tem um pacto com a cidadania, pensa grande, não pensa só no seu umbigo.
O que eu quero dizer, é que esta legislação eu não aplaudo, eu critico. E aceitaria o debate em qualquer instância jurídica, doutrinária e no Congresso, a nível político, intelectual, doutrinário, que eu não compactuo porque ela não encontra precedente nem no espaço e nem na história. Ela foi feita para, como se dizia, encantar o burguês.
Se nós decodificarmos o que está nesta legislação, eu diria é um “bombonzinho envenenado”: por fora tem aparência de doce, mas por dentro tem veneno para a sociedade.
FATO NOTÓRIO: É difícil para o membro do Ministério Público, titular da ação penal, reconhecer que o réu não é responsável pela acusação que lhe é imputada?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: A resposta é dupla. Aí eu vou dar a resposta com a experiência de quem trabalhou muitos anos com isso: não é difícil para o membro do Ministério Público pedir a absolvição, eu pedi inúmeras absolvições. Eu pedi inúmeras absolvições não na certeza de que o réu era inocente, havia uma dúvida invencível, não uma dúvida boba, que me levava naquele estado de dúvida “em dubio pro reo”, eu não poderia pedir a condenação de quem eu estava em dúvida.
Eu nunca vi um caso de um réu fosse processado e no final se descobrisse que não era ele. Em vinte anos de Ministério Público, eu nunca vi. E nunca ninguém chegou correndo de microfone na mão dizendo que fiz uma injustiça ou que algum colega tivesse feito, nunca. Isso é caso poético, de novela, de televisão.
Na prática, não. Se o cidadão passou pela peneira da investigação policial, passou pelo crivo do Ministério Público, que deu denúncia, que foi levado a julgamento, a chance de ser ele é grandíssima. É enorme.
Quando existe um pedido de absolvição é que existe um estado de dúvida. Não estado de certeza de inocência. Tanto que você vê as estatísticas nos fóruns que os juízes não absolvem corriqueiramente naquele inciso que diz ‘não estar provado que tenha ocorrido o crime’ ou ‘que não foi o réu’. Absolvem por insuficiência de prova, ou seja, que tem dúvida se foi ele.
Respondendo: é difícil para o promotor pedir absolvição? Não, se ele estiver em dúvida, qualquer promotor com a mínima de consciência, os promotores o são, pedem a absolvição. É difícil o promotor pedir a absolvição de quem ele tem a certeza de que é inocente? É difícil porque estes casos são raros.
FATO NOTÓRIO: Feridas: os casos de Leonardo Bandarra, Deborah Guerner e do promotor Thales Ferri mancham a instituição “Ministério Público”?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: A única ferida que tem aí, mesmo real, foi de um rapaz sofreu um ferimento mortal provocado por um promotor, isso sim uma ferida, porque diz a unanimidade do Tribunal de Justiça de São Paulo que este rapaz foi para atacar não um promotor, mas um cidadão.
Seja ele promotor, advogado, juiz, pecador, virtuoso, padre, bispo de Brasília, bispo em visita ao Brasil, a Constituição não diferencia. Se agiu em legitima defesa, ele não pode ser punido. Há uma causa excludente e o Tribunal de Justiça de São Paulo, na unanimidade de seus desembargadores, disse que o promotor, neste caso, coincidentemente o promotor, era inocente.
Este promotor sofreu, nem o conheço pessoalmente, o que nenhum outro cidadão brasileiro sofreria, porque deu um azar desgraçado de na primeira juventude dele ter sido aprovado no concurso do Ministério Público. Ele apanhou por ser promotor. Se ele não fosse promotor, o ato dele seria arquivado in limine. Porque em casos muito piores, os promotores arquivam e pedem absolvição, neste caso caiu o dramático rigor em cima deste jovem porque ele era promotor.
Qual o tamanho deste promotor? Muito pequeno, baixa estatura. E quem eram as vítimas? Um metro e noventa e oito, um metro e noventa e seis, uma turma grande e violenta, provado nos autos.
E aquilo que a natureza criou desigual, um grandão e um pequenininho, só um “38” ou uma pistola para igualar. Portanto, este promotor estava armado, como poderia qualquer outra pessoa poderia estar, que o Estado deu e reconheceu o porte de arma. Sob o crivo legal, está absoluta e justamente explicada a conduta dele.
Deste caso eu falo porque é a última palavra do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Do caso de Brasília, eu nado falo porque nada sei. Não é meu estado. E não acompanhei a prova e ainda está sub judice e como eu respeito a previsão constitucional do devido processo legal, da presunção do estado de inocência, eu dou aos acusados o direito de defesa. E se deverem, que paguem na máxima expressão da pena na medida de sua culpabilidade. Se não deverem, que sejam indenizados. E a quem de direito, se faça o julgamento. Eu espero que tenham consciência os julgadores, que façam a melhor justiça.
Tão maior será a culpabilidade se houver crime praticado por colarinho branco, este não tem a desculpa da miséria. Portanto, se erraram, que paguem até a última moeda.
FATO NOTÓRIO: O que ainda é urgente ser revisto no Código de Processo Penal?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: No CPP, pouca coisa. Precisa rever nossa consciência. A lei está boa, a lei não está mal, a lei é de primeiro mundo. Quem bota defeito na lei, está abusando da ignorância alheia. Porque sempre traz um argumentinho que lá no Canadá é assim, lá na Alemanha é assim.
Na Alemanha tem prisão perpétua, no Canadá tem um homicídio a cada seis meses. Lá na França? Na França o cidadão pode se sujeitar a prisão perpétua no primeiro homicídio. Ah, lá na Inglaterra é assim! Na Inglaterra pode punir com até 13 anos de idade, como nos Estados Unidos.
Quando as pessoas trazem estes argumentos que tem que ser assim ou assado, invocando doutrina alienígena, primeiro ele abusa de nossa ignorância. Traz um exemplinho de bolso de colete, que sempre vem em arrimo do que ele quer defender.
Se for para transplantar a legislação de outro país, tem que trazer por inteiro e não é fazer o frankstein que nós estamos fazendo. Traz toda a legislação americana que tem inclusive prisão perpétua e pena de morte. Traz a legislação americana que prevê a possibilidade de punir garotos e adolescentes que são extremamente perigosos.
Não dá para você pegar o bonzinho de cada legislação e fazer uma lei penal cinderela no Brasil. Ela pode ficar bonitinha, ter tranças amarelas, pode ser poética no momento da feitura, mas triste pela criminalidade que ela poderá aportar.
O que temos que fazer? Interpretar bem a lei que está aí. Temos um voluntarismo grande do judiciário, da advocacia, dos promotores, eu vejo com bons olhos. Apesar de todas as críticas, eu acho que nós estamos apanhando e lutando um bom combate da democracia. O preço que nós pagamos pela democracia é isso, é assistir algumas barbaridades, mas muita dialética e muita discussão.
O futuro há de ser melhor do que esse que nós assistimos hoje. Eu sempre acredito no futuro, ainda quero estar vivo para assistir que o Brasil vai ser melhor. E vai ser melhor quando? Quando tiver menos criminalidade, não é fazer o povo mais rico, não. Porque se fizer o povo mais rico, mas matar de morte matada, o povo ainda é pobre.
FATO NOTÓRIO: Um ministro do STF já disse que não julga processos pelas capas e, sim, pelo conteúdo. O senhor crê que todos têm acesso igualitário à justiça, bons advogados, recursos, etc?
EDILSON MOUGENOT BONFIM: Evidente que nem todos tem o mesmo acesso à justiça, como nem todos tem acesso à mesma escola, ao mesmo hospital, como nem todos tem o mesmo acesso pela natureza a mesma inteligência.
Significa que a natureza é a primeira cretina que nós inventamos. Se inventou que a natureza faz uma pessoa brilhante e outra com déficit de inteligência. A natureza faz uma pessoa com nariz de três metros e outra com nariz perfeito. A natureza faz uma Gisele Bündchen e outro que já nasce tristemente, fisicamente, mal feito do nascedouro.
Aí vem a cultura depois com as suas deformações.
O único lugar do mundo que se quis igualar tudo foi um fiasco monumental, foi o comunismo soviético. No afã de dar acesso a todos na medida de suas necessidades, matou milhões de pessoas em nome desse projeto. Não chegou a coisa alguma e eles próprios reviram a sua história.
O comunismo é uma mostra clara de que a tentativa máxima da igualdade é a supressão máxima da liberdade e isso pode se configurar num perigo. E qual o país que nós buscamos? Nunca que todos terão as mesmas condições de acesso, mas que nós possamos diminuir as disparidades porque um país com absoluta e sempre condições de acesso é o chamado país ideal. E o ideal não existe. No dia que o ideal existir, não existe progresso porque nós já chegaremos num ponto e quando não existe progresso, o que seria de nós o ser humano? O ser humano é uma luta constante!
Existem disparidades, sim. Nós já diminuímos bastante e vamos diminuir mais. Mas, ninguém nunca se iluda porque sempre haverá na sociedade gente com mais ou menos capacidade. Até porque a natureza não é a santa que se supõe, ela come, bebe e peca. Fez gente mais forte e mais inteligente, mais fraca e menos inteligente. Portanto, com mais ou menos acesso as mesmas possibilidades, mesmo que o Estado queira dar a mesma escola para todos. Uns aprenderão outros não. O mesmo remédio salva uns e mata outros.
Fonte: Fato Notório – Informativo Jurídico – clique aqui para conferir
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